quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Abusado



“Paz, Justiça e Liberdade”. Soam como palavras de ordem de alguma revolução de séculos passados ou discurso de ano novo do Papa na Praça Celestial?

Na verdade, esse era o lema do chefão do tráfico do maior morro do Rio de Janeiro, o Dona Marta (que fica a poucos metros de um prédio em que morei, em Botafogo), nos anos 90. Ele mesmo, o traficante mais procurado da cidade em 1999 e de quem dependeu a "autorização" para a gravação do clipe de Michael Jackson na favela.

A primeira vez que vi essa expressão de Juliano VP —codinome de Marcinho VP — no livro “Abusado - O Dono do Morro Dona Marta”, de Caco Barcellos, fiquei desconcertada

Alguém que rouba, trafica e mata realmente com a desfaçatez de se declarar embaixador da bondade na Terra, é isso? Foi então que percebi que deveria parar bem ali e ler a história com outra perspectiva. Como cidadã “do asfalto”, eu nunca conseguiria achar aquilo normal. Certo. Mas poderia trabalhar com a possibilidade de que a régua de valores é, definitivamente, algo muito relativo.

O livro mostra que o morro da década retrasada era um mundo à parte. E que mundo. Praticamente não havia esperanças de se ter uma condição financeira melhor senão pelo tráfico. A morte era banal: todo dia, toda hora. Uma roleta russa. Métodos medievais de tortura à luz do dia, traições assassinas entre irmãos e melhores amigos, e outras coisas que seriam manchete nacional caso os protagonistas fossem da classe média ou alta acontecendo mais do que corriqueiramente.

Uma anestesia total frente a tudo que nos choca foi desenvolvida por eles  É normal, faz parte. É assim desde que se entendem por gente. O pastor, o dono do boteco, o líder dos moradores: todos acabam envolvidos. A todo tempo, o livro me provocava reflexões sobre a pretensa universalidade dos conceitos éticos.

Inclusive, há uma passagem muito interessante para jornalistas. VP  — iniciais do xingamento “Viado Puto” — deu uma entrevista reveladora a três repórteres (de O Globo, O Dia e Jornal do Brasil), em 1996. Eles estavam no morro para cobrir a presença de Michael Jackson e pediram que o chefão expusesse suas ideias à sociedade.

Ele aceitou, desde que o nome do morro e sua identidade não fossem citados na matéria. Todos os jornalistas quebraram o pacto, com seus respectivos editores alegando que “com bandido não se faz acordo”. As publicações acabaram com o anonimato de VP e abriram uma caçada das autoridades ao criminoso petulante que falava à mídia em nome de um poder paralelo.




Marcinho VP (Juliano)

Nos primeiros capítulos, confesso que fiquei um pouco desmotivada com a leitura: os diálogos fiéis à linguagem da periferia cheia de gírias e erros de português me cansavam. O excesso de personagens/histórias também dispersava minha atenção. Violência e tráfico nunca foram meus maiores interesses literários, e precisei de fato mergulhar no que estava naquelas páginas.

Valeu a pena.

Li algumas críticas acusando Barcellos de aliviar a barra de Juliano, fazendo-o parecer mais culto, mais idealista, mais complacente, enfim, melhor do que era de fato.

Pelo menos para mim, VP ficou longe de parecer um mártir. Nunca saiu da minha cabeça que era um criminoso. Mas isso todo mundo já sabia. O grande lance foi poder ver além.

Acredito que esse é o mérito do livro-reportagem: descortinar, para pessoas como eu e você, a realidade escondida dos pobres, pretos, bandidos e constatar cruamente que o "abuso" é de mão dupla.

Conseguir enxergar, sem discurso de antropólogos ou intelectualóides, mas com histórias concretas, que quem abusa hoje a sociedade com sua violência também foi abusado sistematicamente pelo descaso da mesma.

E não, isso não é tirar a culpa dos marginais. Apenas distribuí-la melhor.

P.S: Marcinho VP foi assassinado na prisão em 2003, mesmo destino de praticamente todos os seus comparsas.

sábado, 22 de dezembro de 2012

MMXII


Don’t beat yourself about things. Because when you do, you lose twice. You’ve lost what you lost, but then you also lose your perspective. Cause life happens to people. And life is bigger than people. – C.B.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Lugar-incomum



“É, mas você não é mais adolescente”. Nos últimos dias, esta frase inocentemente proferida pelo meu professor de violão foi meu “Houston, we have a problem”.

Estávamos nós discutindo sobre as músicas que eu começaria a aprender agora. Ele, velha guarda todo, me passou “Felicidade foi embora” e “Pingos de amor”. Ok. Mas que tal um Oasis ou Hole?


—Você gosta mesmo dessas músicas em inglês, hein, neném?


—Não tem jeito, passei minha adolescência inteira ouvindo isso...


—É, mas você não é mais adolescente. — replicou, com aquela risadinha Muttley.


Meu mundo caiu.


Sim, tenho ciência de que estou na faculdade há quatro anos, trabalho, dirijo, tenho conta no banco e esperneio que já-sou-maior-de-idade em qualquer tentativa paterna de tirar meu cavalinho da chuva, festa ou viagem.


Porém, alguém dizendo isso é mais... chocante. Sempre detestei a palavra “adulto”. Não sei, é chata.


Assustador ver como o tempo passa. Minha irmã está no último ano do colégio. Não lembro mais de algumas pessoas que estudaram comigo. E, horror dos horrores: sou a mais velha da turma de inglês. Socorro.


Não que minha adolescência tenha sido melhor do que o que eu vivo agora, em aspecto algum. Jamais voltaria à sua época de vigência. Na verdade, queria que a tal fosse como um processo estendido indefinidamente — aliás, Supremo Tribunal Federal, por favor, assuma essa causa.


Não há como negar: é uma fase romântica.  Período para sonhar, errar e render umas tantas vergonhas alheias.


Pessoas de 20 e poucos anos também fazem tudo isso, sabemos. Mas é diferente. Falta aquele quê de ingenuidade que torna tudo mais singelo.


No fundo, queria o que todo mundo quer: o melhor dos dois mundos. Ter tudo que eu tenho agora, mas sendo café com leite. Fez besteira? Sabe todas as músicas da Britney Spears? Adora estampa de caveira? Pega leve, gente, ela é adolescente.


Tenho medo de crescer. Fazer declaração de imposto de renda, usar creme antirrugas na região dos olhos e roupas em tom pastel, coisas assim. Não quero ser cobrada, não quero virar sem graça.


Ao mesmo tempo, já estou completamente out das coisas demasiado pueris. Minha irmã é o termômetro: suas conversas sobre popularidade na escola e a insegurança com aparência torram-me a paciência.


A conclusão que me resta é que estou em um lugar meio nebuloso, indefinido. Quero ganhar o mundo e conquistar mil coisas, mas ainda guardo uma empatia irremediável por um aparelho nos dentes e algumas espinhas clamando por Roacutan.


Já ouvi dizer por aí que crescer custa, demora, esfola, mas compensa.


Enquanto isso, então,  fico por aqui, juntando Courtney Love e Paulo Diniz na minha um pouco fora de tom e tresloucada, porém de beleza toda própria, serenata de despedida .

sexta-feira, 23 de março de 2012

O meme das 11 coisas

Regras
· Escrever 11 fatos aleatórios sobre você;
· Responder às 11 perguntas feitas por quem lhe tagueou;
· Criar 11 novas perguntas para as pessoas que você irá taguear;
· Colocar as regras no post.

11 fatos aleatórios sobre mim
1- Já fui atropelada por uma bicicleta. Estava sentada graciosa e bucolicamente no Aterro do Flamengo quando um ciclista desgovernado carimbou a roda na minha cara. 
2- Fiz mais que o dobro das aulas práticas de direção para ter condições de submeter-me à prova (mas pelo menos passei de primeira, ok?).
3- Falo sozinha e fico ensaiando conversas e situações hipotéticas. Acho o cúmulo do ridículo, but I can’t help it (tenho neurose de descobrir que sou personagem de alguma espécie de Show de Truman, maior pesadelo da minha vida, vergonha eterna).
4- Não ouço bem de óculos escuros.
5- Minha calça do colégio rasgou várias vezes — e sempre na parte de trás.
6- Tenho tédio de gente esotérica demais.
7- NOJO, ASCO, OJERIZA, REPULSA a mariscos.
8- Tenho déficit de atenção
9- Adoro a música “Mila”, do Netinho. É, aquela mesmo, das mil e uma noites de amor vendo tudo rolar na praia, num barco e num farol apagado. Sei lá, lembra minha infância, traz uma sensação nostálgica estranha e ao mesmo tempo boa.
10- Tenho vontade de fazer trabalho voluntário na América Latina.
11- Apesar dos pesares, acho jornalismo a profissão mais bonita do mundo.

11 perguntas que Ana Áurea fez para mim
1-Quem você queria ser ao crescer, quando criança, se assemelha de alguma forma com quem você se tornou nesse momento da sua vida?
Olha, acho que sim. Não estritamente, claro, porque quando eu era criança simplesmente almejava a essa altura ser milionária, famosa e ovacionada por todos. Mas trazendo para um panorama mais genérico,  creio que sou uma pessoa bem resolvida — na medida em que isso é possível para alguém da minha idade.

2-Tem alguma passagem de tempo da sua vida que você apagaria da sua memória, se possível fosse?
É uma proposta tentadora, mas acho que, sem a memória dessas experiências, se acontecesse algo parecido novamente eu sofreria da mesma forma e cometeria os mesmos erros.

3-O que você acha que todas as pessoas do mundo deveriam fazer, pelo menos uma vez na vida?
Acho que uma vez na vida todos devem se permitir algo que consideram uma loucura, mas aquela loucura que te faz extremamente feliz e na qual só importa o aqui e o agora. Vale a pena.

4-Você já sentiu que estava de fato fazendo parte de um momento importante na sua vida, ou na vida de alguém bem próximo?
Sim. É esquisito ter consciência disso, parece que surge o peso de uma "responsabilidade". Mas pode ser interessante também.

5- Se pudesse se teletransportar imediatamente, nesse momento pra qualquer lugar, para onde você iria preferir ir?E em que espaço de tempo?
Acho que iria para Nova York, em algum lugar com muitas pessoas jovens, inteligentes e legais. Quanto ao tempo, ficaria no presente mesmo. Deixa o passado pra trás, e o futuro, sempre melhor ser uma surpresa.

6-Algo que você não saberia viver sem?
Pessoas. Tenho muita necessidade da presença humana, alguém para conversar, interagir, observar, mesmo que meu jeito quase sempre deponha o contrário. Acho que enlouqueceria na solidão.

7-Em uma relação, o que você acha mais fundamental?
Tantas coisas... Sinceridade, talvez, seja a mais básica. Se você é espontâneo e está envolvido de verdade, o resto vem naturalmente.

8-Se você pudesse ser outra pessoa quem você seria?
Uma só? Minha inveja (branca) é muito grande para só se contentar com uma pessoa, querida. Vou trapacear e pegar uma parte de cada invejado para costurar franksteinamente minha vida perfeita, tá?
Então... Quero a beleza de Zooey Deschanel, a inteligência de George Orwell, o dinheiro de Carlos Slim, a simpatia de Kate Middleton, a voz rouca e charmosa da irmã da amiga da minha irmã. And the list goes on...

9-Quais as cinco principais decisões que você já tomou até este momento da sua vida?
Cinco, até agora? Não tenho tantas assim... Ou pelo menos não consigo lembrar. Só sei que trocar de curso com certeza foi uma delas.

10-Se você pudesse dar um conselho para você mesma quando tinha 15 anos, o que diria?
Não um, mas quatro:
- Acreditar mais na minha percepção, nos meus sentimentos. Ocasiões em que me liguei em certas coisas e fechei os olhos, sabe. Deveria ter seguido minha intuição.
- Não ficar tão ansiosa com tudo
-Estudar mais, mais, mais. Conhecimento nunca é demais.
- Não me preocupar tanto com o que os outros podem pensar

11- Você já sentiu como se estivesse enganando todo mundo?
Sim... É chato, apesar de inevitável por vezes. Venho tentando ser o mais transparente possível.

11 perguntas para Ana Áurea:
1- Você acredita em destino?
2- Qual o melhor presente que você recebeu até hoje?
3-Se pudesse viver a história de um filme, qual seria?
4- Como você se vê daqui a 10 anos?
5- E se você encontrasse a Ana de 5 anos atrás, acha que ela estaria feliz com a Ana que você é hoje?
6- Qual seu pior defeito? E sua melhor qualidade?
7- Qual a primeira impressão que você acha que causa nas pessoas?
8- Que qualidades um amigo não pode deixar de ter? E os defeitos inaceitáveis?
9- Uma experiência marcante?
10- Qual seu maior medo?
11- Você é capaz de citar cinco músicas que definem momentos da sua vida?


domingo, 21 de agosto de 2011

Libertà

E libertà per noi che navighiamo via, soltanto nell'idea del mare

Sì libertà per noi che rimaniamo qua, con il braccio alzato per salutare

Un dolce sogno di grandi mari e libertà.


Libertà per chi sfida il temporale. Libertà per chi ha le vele al sole.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Sobre Xuxa, parques temáticos e ambições

Eu nunca quis ser paquita.

Mas não porque desgostasse das soldadinhas de chumbo trabalhadas na água oxigenada. Do alto dos meus cinco anos, eu sonhava grande: queria ser a Xuxa. Afinal, por que me contentar em ser assistente quando eu podia ser a própria estrela? Ela era loira de olhos azuis, alta, descia de uma nave espacial e gravava especiais de Natal em cenários disneylândicos.

Mal sabia eu que aí estava o germe daquela que me acompanharia o resto da vida... a ambição. Mais do que apresentar um programa excessivamente policromático e mediar o famigerado “meninos x meninas”, eu, agora vejo, lá no fundo já almejava poder e visibilidade. É, isso mesmo.

Cheirando ainda a leite, poderia horrorizar Adorno e Horkheimer com minha adoração precoce pela Indústria Cultural: o fascínio da perspectiva de ter a minha cara estampada em vários produtos, lançar moda, dar autógrafos, ver gente chorando por mim e, pasmem, até ter um parque temático.

Nessa época, a Xuxa nem sequer tinha o dela (construído nos anos 2000 em um shopping de São Paulo). Sei que parece megalomaníaco demais para uma criança, mas eu realmente tinha essa ideia, e não imagino de onde a tirei. Cheguei a fazer um desenho do tal parque, uma espécie de planta com os brinquedos (só consigo lembrar da roda gigante com cabines em forma de nave) e uma imensa fachada cor-de-rosa. Mostrei para uma amiga, a Lis, mas não recordo sua reação. Acho que não ganhei muita atenção ela sempre preferiu as Chiquititas mesmo.

Aposto que a maioria das pessoas me vê hoje como relativamente pacata. Mas a influência de Lady Maria da Graça não me deixaria incólume. Não se enganem com a fala doce: a inquietude me consome. Pra começar, sou extremamente perfeccionista. Do tipo que quer tudo, e pra ontem. Neurótica com erros. Sedenta por novidades. Acometida por Fomo (Fear Of Missing Out). E competitiva. Não na vertente Regina George da coisa, mas por sentir-me mortificada quando alguém se destaca em coisa que sei que também poderia fazer.

A frustração é inevitável, pois tantas ideias e planos podem às vezes dar a sensação de não conseguir fazer nada ao fim e ao cabo. Mas também é bom, visto que o alcance de uma plena "satisfação" significa perda de sentidopelo menos para mim.

Não sei até onde tudo isso poderá me levar... Só espero que a bem longe. Daqui a alguns anos encontro vocês por aí em algum lugar: redação de jornal, escritório, set de filme, fazendo mochilão pelo mundo...


Ou, vai saber, até mesmo dando voltas na roda gigante do meu parque temático.

_______________________________________________

Amigas, em todo o caso, o TessWorld desde já garante passaportes vipíssimos para vocês, ok? HAHAHA

quarta-feira, 22 de junho de 2011

O cara perfeito

Descrever "o cara perfeito" não pode furtar-se à típica resposta feminina: a tríade universal bonito-gentil-e-romântico. Ok. Mas, e se fosse possível moldar o cara realmente perfeito, em todos os mínimos detalhes, aquele do tipo "tudo que eu sempre sonhei"? Em uma ociosa noite pré-feriadão, me propus essa tarefa.

Deixe-me ver. O meu Apolo imaginário, vamos lá, me acompanha na escassez de melanina: é branco, branco mesmo, tanto que no seu braço dá pra fazer Duplex Scan a olho nu. É daqueles que não podem permanecer em um ambiente quente por cinco minutos sem já ficar esbaforidos e com as bochechas rosadas. A costa é um lençol, e cheia daquelas pintinhas marrons bonitinhas.

É engraçado e faz imitações hilárias, de Silvio Santos a Axl Rose, do tipo que reúnem uma roda em torno. “Cara, você é bom, hein? Podia fazer stand-up!”. Ele também sabe rir de si mesmo. É lindo, mas parece não se dar conta disso (e o melhor, nem ligar pra isso), e adora tirar sarro dos seus pequenos defeitos, como aquele dente levemente torto e a cicatriz meio esquisita no pé. Até mesmo quando escarnece dos meus é divertido.

Sotaque é indispensável. Apetece-me o do interior paulista, com seu “r” puxado (porrrta) e “e” bem aberto (sémestré). Não sei, me passa inocência e aconchego. Aliás, por falar em inocência, o sorriso e o olhar têm que ser ingênuos. Não infantis, mas despretensiosos, puros. Ele é o tipo de pessoa que não imagino fazendo mal a uma mosca. Que tem cara de quem ajuda a velhinha a atravessar a rua e se engaja em causas humanitárias.

É descendente de europeus, com um sobrenome impronunciável cheio de consoantes. Quem sabe poderíamos até fazer uma viagem por sua terra de origem, que rendesse mil fotos lindas para eu colar no mural e encher o saco das visitas mostrando. Aliás, ele A-M-A viajar e conhecer novos lugares, bota a maior fé em fazer a volta ao mundo comigo.

Os olhos são azul-escuros cheios daqueles tracinhos, que formam caleidoscópios celestes cujo brilho refletido pelo sol é embasbacante. Pena que não posso apreciar por muito tempo, pela maior sensibilidade que as íris claras têm à luminosidade, levando-o a fechá-los quase que imediatamente. Fofo.

O cabelo é liso, daquela tênue cor entre loiro escuro e castanho claro. Corte estilo Robert Schwartzman. Alto, acho que uns 1,85 m. Magro, mas não esquelético. Cheiroso. Braços fortes, jamais musculosos. Sobrancelha definida, porém não muito cheia. Cara de homem, mas com traços finos. Abro exceção para um discreto nariz de tucano, acho charmoso.

Não é vaidoso nem tenta impressionar, porque não precisa. Toca violão e guitarra — um instrumento exótico também cai bem, tipo gaita. Tem a voz suave, daquelas que ao mesmo tempo te dão vontade de dormir de tão terna e te deixam insone de tanto encanto. Gosta de rock anos 70 e 80. Tem outros dons artísticos, como saber desenhar (e obviamente fará um lindo — e benevolente — quadro meu).

Não é pegajoso nem puxa-saco. Sabe a hora exata de me elogiar e dizer que gosta de mim. E quando faz isso, é arrebatador. Escolhe as palavras certas e eu sempre acredito, porque sei que é verdade.

Inteligente, claro. É o queridinho dos professores: “Esse menino tem um futuro brilhante”. Gosta de ler, vê muitos filmes e é bom de matemática. Sim, porque eu, como retumbante fracasso em números, não posso ver homem que sabe cálculo — morro de amores. Fala inglês e espanhol fluentemente, e ainda humilha numa língua estranha que aprendeu pra “passar o tempo”. Porque, ah, bom... ele é perfeito.

Não consigo nem olhá-lo sem meu estômago revirar, mas ao mesmo tempo, me sinto indescritivelmente confortável perto dele.

Se você existe, cara perfeito, apresente-se. E que meu indubitável amor à primeira vista seja eterno enquanto durar.

Comoção nacional, comoção jornalística

Já deu de mostrar toda hora esse bandido, hein? Só estão fazendo justamente o que ele queria...”

“Pronto, Wellington vai virar celebridade e ser transformado num mártir pra outros perturbados. Parabéns, imprensa!”

“Jornais como sempre capitalizando na desgraça alheia. Será que não basta de choro e sofrimento?”

Tweets a respeito do Massacre de Realengo.

Quando li estes comentários, fiquei com uma certa agonia da mídia. Será que estão mesmo forçando a barra? Logo depois, me coloquei na posição de pura espectadora. E num exercício de sinceridade, me perguntei e respondi sem hipocrisias: tive eu interesse em ler/assistir àquelas matérias? Não posso mentir, sim.

Quis saber do histórico familiar e escolar do homicida, ver o estado dos pais cujos filhos de repente viraram vítimas da situação grotesca e sem precedentes no país, assim como o que os sobreviventes testemunharam e como se sentiam agora. Pronto, falei. E creio que se a maioria das pessoas expressasse total honestidade, também admitiria tal curiosidade, esperando, portanto, exatamente o que os meios mostraram — um pouco mais, um pouco menos.

Posteriormente, como estudante de jornalismo, procurei colocar-me no lugar de um colega de profissão que estivesse cobrindo o fato. Pânico. O que fazer? Deveria eu apenas citar o bê-a-bá da notícia ou ir atrás de desdobramentos que porventura pudessem causar desconforto? Devo satisfazer somente o interesse público ou também o interesse do público? Essa classificação é, talvez, a maior dúvida do Jornalismo. E decorrente dela é o drama lancinante que nos acomete, pobres repórteres hamletianos, em momentos em que olhamos para a cabeça do editor, quase fumegando de tanto estresse, e podemos imaginá-la em nossas mãos, sendo indagadas: "Ser ou não ser sensacionalista? Eis a questão"

Capturar Cérbero é fácil, quero ver é Hércules realizar o 13º trabalho de cobrir um fato de comoção nacional. Porque só mesmo uma temporada no Olimpo e uma imortalidade básicas para compensar a dificuldade disso.

Lógico que tiramos daqui os extremos de mau gosto que existem por aí e falamos do jornalismo, hm, sério, ou que pelo menos tem a pretensão de sê-lo. É sempre difícil saber o que já virou exagero quando se cobre um acontecimento que por si só é hiperbólico. Seria tão mais prático se houvesse um medidor de sensacionalismo, né? Tipo:

Imagem do enterro = Ok.

Close nos parentes chorando = Nível tabloide britânico.

Narração adjetivada e carregada= Deixe os discursos poéticos para Pedro Bial.

Mas isso não existe.

Apesar de muitas vezes o famigerado “mostrar o lado humano da tragédia” ser eufemismo para explorar a desgraça alheia ao máximo, a realidade não é edulcorada mesmo. E precisa ser mostrada.

Expor fotos e vídeos de Wellington, entrevistar o “Maníaco do Parque” ou os Nardoni em horário nobre, desvelar a vida de luxo e poder que traficantes levavam no Morro do Alemão... Isso de certa forma é dar publicidade a crimes? Sim. Isso pode encorajar outras mentes doentias? Sim. Então, isso deve ser extirpado dos noticiários? Não.

Acho que se os jornalistas podem ter acesso a esses materiais, eles têm que ser divididos. Porque eu e você, mesmo que consideremos essas coisas desagradáveis, temos o direito de tê-las publicadas.

Na minha opinião, o problema é da forma, e não do conteúdo. Eventuais excessos na abordagem ocorrem, mas o mundo é intenso e chocante de fato, não há como escapar disso. Se os jornais só mostrassem amenidades, o problema seria outro: alienação.

Se você sente ojeriza pelo confronto direto com a informação, a melhor coisa que pode fazer é simplesmente tentar evitar olhá-la. E aliás, a única também.

___________________________________________________

Escrevi esse texto há uns dois meses e chego aqui, contrariando o preceito básico de atualidade imperativa da minha profissão, um tanto ( bastante) atrasada para comentar o caso. Entretanto, apesar de o ocorrido já não estar mais tanto em pauta, a discussão sobre o sensacionalismo no jornalismo é atemporal.